O SAMBA E A AFRICANIDADE NOS RITMOS E NA CULTURA BRASILEIRA

Muito se fala da africanidade na cultura brasileira, sobretudo na real influência sobre a composição rítmica e melódica de nossa música. Do lundu, jongo ao maxixe; do choro ao samba; das marchinhas de carnaval à Bossa Nova; somando-se ainda uma homenagem à Tropicália e ao Forró Pé de Serra, o encontro de Mart’nália e Toni Garrido contemplou o Estado do Rio de Janeiro com o “Sons da Independência”.

De setembro a dezembro de 2022 foram 10 apresentações que circularam as cidades de Maricá, Mendes, Nova Iguaçu e Rio de Janeiro, nessa em curta temporada de quatro apresentações no Palácio Tiradentes, mais apresentações nos Teatros Armando Gonzaga e Arthur Azevedo, fechando a temporada no Imperator. O público cantou, vibrou, dançou conduzido a uma verdadeira viagem aos gêneros musicais produzidos, criados no Rio de Janeiro que se tornaram identidade nacional. 

A seguir, você vai poder usufruir de uma conversa que fizemos com Martnália e Toni Garrido, para refletir um pouco sobre a cadência dos ritmos, as nuances do samba, entre outros assuntos que se fizeram presentes no bate-papo com os dois artistas.
Aproveite e “saravá”!

Você acredita que o brasileiro em geral tem conhecimento de que os africanos não "vieram"; foram "trazidos"?

TONI GARRIDO – Não; tenho certeza absoluta que não é esse conhecimento de forma alguma. É um conhecimento aplicado nas escolas de um jeito muito pouco explorado, com elementos históricos que foram colocados para favorecer um determinado pensamento de dominação e que com o passar dos anos não foram alterados das literaturas. Então nós aprendemos um material defasado. E depois, nos deparamos com um país despedaçado com essas mentiras. Com certeza absoluta, os brasileiros não têm noção alguma da importância dos negros na história do nosso país.

MART´NÁLIA – Acho que existe bastante informação. É só procurar ler autores como Nei Lopes, cantor, compositor e escritor das culturas africanas, “cria” do bairro de Irajá, no subúrbio do Rio. Falar com ele é ter uma aula total!

A cultura afro-brasileira é o conjunto de manifestações culturais inseridas na rotina do país que passa, por vezes, despercebido por muitos. Acha que do Brasil-Colônia para os dias atuais muito se perdeu? O que por exemplo?

TONI GARRIDO – Hoje, principalmente, com a valorização das culturas cristãs, fora a igreja católica que é um pouco mais democrática, as igrejas evangélicas possuem uma menor visão democrática de cultura religiosa de um mesmo espaço. Elas demonizam tudo o que é oposto a elas, ainda mais uma cultura africana que possui símbolos diferentes. Logo, atualmente mais do que 50 anos atrás, temos uma perda muito significativa da história afro-brasileira.

A africanidade é um termo muito usado, essencialmente, no mês da Consciência Negra (novembro) quando se reflete mais a cultura e ancestralidade africanas. Como você observa essas investidas? Esta consciência realmente está presente?

TONI GARRIDO – Eu costumo dizer que o mês da Consciência Negra faz a gente tocar em um assunto que talvez um dia a sociedade entenda que represente o ano inteiro. O que se espera é que essa provocação seja vivida não só por um mês. Durante o ano os indivíduos deveriam se aprofundar na “ciência negra”, não somente da consciência.   

 

 

MART´NÁLIA – O que posso dizer é que nos dias atuais observo que temos muito mais gente interessada nessa valorização, no resgate dos costumes e tradições. Tem mais gente aberta para tudo, e isso acaba por corrigir algumas falhas de ações do passado.

Você acredita que a valorização da África na formação da cultura brasileira pode ser feita? Em que setor e em que condições?

TONI GARRIDO – A África precisa de apoio, muito mais dos valores da África que estão extremantes presentes no Brasil, a gente descolou um dos valores atuais do continente africano. Com isso, eles precisam ser valorizados para que possam ser preservados e, aí sim, a gente poder se utilizar dos valores contemporâneos desse lugar tão rico. As pessoas viajam muito para conhecer a Europa e os EUA, porém poucos vão à África. Isso precisa ser repensado.

 

MART´NÁLIA  – A gente tem o samba, que é um fenômeno assim como o funk, o pagode. Ele tem riqueza em tudo. Isso sem falar da bossa-nova que no exterior é considerada um grande acontecimento musical. Acho no geral que a música brasileira sim é um grande fenômeno de expressão de africanidade e alta qualidade.

O que você acha do estudo da história e das culturas africanas nas nossas escolas de ensino fundamental, embora somente em 2003 uma lei (10.639) determinou o ensino da "História e Cultura Afro-Brasileira" na grade curricular?

TONI GARRIDO – É uma das chaves mais importantes. Os pretos precisam de uma satisfação ancestral. Nós temos que dar satisfações a nós mesmos e pouco brasileiro preto conhece quem estava aqui no passado. Não um estudo geopolítico, mas um estudo familiar da alma pessoal. Nos dias atuais possuímos uma alma brasileira, porém ainda sim existe uma história perdida por aí e enquanto ela não for encontrada, visitada nós vamos ficar nessa agonia de querer saber um pouco mais. Então, ser levado a sério um estudo da África no ensino fundamental é a base do interesse de todo aluno que vai se tornar um adulto formador de opinião.

Como você definiria o fenômeno do samba na cultura popular uma vez que o Brasil é tão rico musicalmente?

MART´NÁLIA – Sou “cria” do samba porque meu pai é Martinho da Vila e minha mãe também era cantora de samba, a Anália Mendonça. Nasci em Vila Isabel, bairro de Noel Rosa e saio na minha escola querida, a Unidos de Vila Isabel desde meus oito anos de idade. Com meus pais e amigos sempre frequentei as melhores rodas de samba por todos os cantos do Rio de Janeiro. Não tem como negar. Gosto muito de samba-canção, mas adoro um samba-enredo, partido-alto e samba de roda. Não faço distinção.  Tudo é samba e é bem-vindo! Cada lugar tem uma inclinação para algo. É só puxar um tamborim, um cavaco e um pandeiro que tudo se encontra. Acho lindo ter essa mistura. O samba une, né?

Religiosidade, conceito de família, modo de se vestir, culinária e musicalidade. O que de mais forte o Brasil tem de África?

TONI GARRIDO – O Brasil é formado por essas intervenções africanas, da cultura indígena sobrou pouca coisa dentro dessa nossa cultura que foi forjada. Como dizimaram os índios, nós absorvemos pouco da cultura indígena, porém, em compensação, nós absorvemos muito da cultura africana, de uma forma grandiosa. E, com o amor entre os negros, os costumes foram se proliferando. No início do século XX o Brasil era muito mais preto do que branco.

A curta temporada de 10 apresentações do “Sons da Independência" foi um sucesso com boa resposta do público lotando os shows. O que se pode esperar no futuro desta parceria?

TONI GARRIDO – Interessante que nossa amizade se fortaleceu ainda mais e tudo nos levou a acreditar e concordar que devemos prosseguir com o projeto por todo o Brasil e fora dele também. Tem muito o que se fazer para aprimorar cada vez mais o espetáculo. Durante as apresentações nós dois descobrimos várias outras canções e abordagens. Foi muito prazeroso fazer este espetáculo, foi mais prazer que trabalho e vamos continuar sim.

 

MART´NÁLIA – Achei muito legal. Muito divertido…canções lindas cantadas por Toni Garrido e eu. Tomara que possamos caminhar com a mesma qualidade um pouco mais com esse projeto. Foi lindo mesmo!